quinta-feira, 28 de maio de 2009

Filosofia da Educação no contexto educacional vigente

Filosofia da Educação no contexto educacional vigente

Prof. José Igídio dos Santos

“Somos seres em situação, e nosso contexto vivencial é o elã transformador de nossas práticas educacionais”.


Este artigo tem como objetivo contextualizar a educação e algumas teorias educacionais, analisando perspectivas antigas e a emergência de novos contextos, para inculcar uma tarefa emergencial em educação, refletindo sobre a educação, sua prática e a contribuição de alguns pensadores, este propósito inclui teoria e prática pedagógica no universo discursivo da reelaboração do conhecimento, demonstrando a validade argumentativa dentro do processo de ensino-aprendizagem.
A filosofia na perspectiva educacional pode ser considerada como uma âncora que nos pára em face da ´pressa do cotidiano´e nos ajuda a analisar a realidade com maior acuidade, nos impulsiona a assumir uma atitude nova de compromisso, de acordo com a complexidade de cada circunstância, refazendo o discurso a partir de uma prática que perceba a conexão entre realidade e contextualização, entre imaginação e reelaboração constante de nossa prática no processo educacional do ser humano no decorrer de sua trajetória existencial. Somos seres em situação, e nosso contexto vivencial é o elã transformador de nossas práticas educacionais.
Procurar pensar: o que é Filosofia? O que é Filosofia da Educação? Quais seus representantes? Quais as contribuições das teorias pedagógicas para a melhor compreensão do processo de ensino-aprendizagem? Que relações podem ser estabelecidas entre o discurso teórico e a prática pedagógica? São questões que ainda não foram superadas de todo no âmbito pedagógico.
Para início de conversa, é difícil dizer o que é filosofia e complica ainda mais definí-la com suas adjetivações - filosofia da ciência, do direito, da educação... , sabemos que há tantas filosofias quantas cabeças pensantes dos filósofos e existe uma pluralidade de conceitos vinculados diretamente às concepções epistemológicas que cada pensador assume.
Desde a sua origem a filosofia se ocupou dos mais variados temas e suscitou inúmeras reflexões que até hoje norteiam o pensar filosófico. Se não há uma filosofia e sim diversas filosofias, também podemos, analogicamente, deduzir que não há uma filosofia da educação, mas várias filosofias da educação.
Na presente reflexão, queremos considerar a concepção de filosofia e de filosofia da Educação de Demerval Saviani: (...) podemos conceituar filosofia como uma reflexão (radical, rigorosa e de conjunto) sobre os problemas que a realidade apresenta. (...) Filosofia da Educação não seria outra coisa senão uma reflexão (radical, rigorosa e de conjunto) sobre os problemas que a realidade educacional apresenta (Saviani, 2000:20).
Portanto, o educador ao ser incitado a pensar em sua prática educacional cotidiana, deve atentar para as implicações das teorias da educação que ele assume e quais são as concepções pedagógicas subjacentes à sua prática: se construtivista, tradicionalista, idealista ou racionalista. Mas, isto não basta, é necessária uma atitude filosófica que exija certa habilidade em identificar, analisar e resolver os problemas da educação.
Para Demerval Saviani, “é tarefa da Filosofia da Educação oferecer aos educadores um método de reflexão que lhes permita encarar os problemas educacionais, penetrando na sua complexidade e encaminhando a solução de questões tais como: conflito entre filosofia de vida e ideologia na atividade do educador, a relação entre meios e fins da educação, a relação entre teoria e prática, os condicionamentos da atividade docente, até onde se pode contá-los ou superá-los” (Saviani, 2000: 23).
A nosso ver os educadores deveriam ter a seguinte convicção: qualquer prática pedagógica está sedimentada em uma teoria filosófica da educação que, prospectivamente, confere ao educador sua mundividência (sócio-político e cultural) com a finalidade de propiciar ao ser humano a sua formação humana o mais globalmente possível. Portanto, as concepções de mundo, de ser humano e de educação são ferramentas norteadoras dos objetivos educacionais, desta hora e do futuro da humanidade.
Em uma análise mais crítica da educação percebemos que o sistema educacional brasileiro tem assumido em suas bases estruturais os princípios dogmáticos, autoritários, hierárquicos e sistêmicos, os quais, de certa forma, são narcotizadores de consciências, feito para manter a ordem, com todos os vícios da corrupção que na política ultimamente temos observado; e o resultado não poderia ser diferente – política educacional que favorece a elite enquanto a maioria fica fora dos espaços de acesso à educação – mesmo com iniciativas como bolsa escola, pro-uni, sistema de cotas para minorias étnicas e o slogan – ´educação para todos´. Percebemos o crescimento no acesso de alunos à educação do nível primário ao acadêmico, mas o problema da formação da consciência crítica – ficou banido do sistema educacional durante décadas, mesmo com iniciativas de inclusão da filosofia e da sociologia na grade do currículo do ensino médio e, recentemente, no ensino fundamental com as escolas de tempo integral para os alunos da rede pública do Estado de São Paulo. O que se constata é que os governos e os políticos no geral temem o desabrochar da consciência cidadã do povo brasileiro e, na verdade, utilizam as políticas de impacto social que só amenizam a dívida histórica que temos com a maioria empobrecida deste país. Em uma proposta de avanço educacional não notamos mudanças fundamentais na estrutura dos cursos superiores que deixam de inserir, em seus currículos, disciplinas que lidam com o pensamento analítico e filosófico. Um exemplo disso é o que vem acontecendo com os cursos superiores – diminuição drástica da carga horária das disciplinas humanistas, tais como: filosofia, sociologia, antropologia, para citar algumas, e, mesmo assim, em algumas faculdades nos últimos anos da graduação em que os alunos estão mais preocupados com o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), esta é a tendência atual. Para a formação de cidadão, a cidadania ativa precisa ser objeto de aprendizado, para superar a distância entre o discurso e a prática pedagógica, envolvendo o povo no processo de decisões políticas.
Paulo Freire, em seu livro Saberes necessários à prática docente, nos ensina:
“No processo de fala e escuta, a disciplina do silêncio a ser assumida com rigor e a seu tempo, pelos sujeitos que falam e escutam é um “sine qua non” da comunicação dialógica. O primeiro sinal de que o sujeito que fala sabe escutar, é a demonstração de sua capacidade de controlar não só a necessidade de dizer a sua palavra, que é um direito, mas também o gosto pessoal, profundamente respeitável de expressá-la. (Freire, 2001: 131).
Em nossa prática pedagógica tenho sintetizado este procedimento ao seguinte princípio – dar voz a quem tem a vez e pedir a vez a quem tem a voz, através de um processo dialético.
A pergunta que podemos fazer é a seguinte: quem é silenciado durante os 11 ou 12 anos da educação básica, têm consciência do seu direito de voz?
O que define o homem não é a sua capacidade epigráfica, isto é, o escrever. O que nos diferencia dos animais é nossa capacidade de codificação e decodificação que expressamos através da fala e decifração dos códigos de linguagem desenvolvida em cada povo. Como seres culturais nossa cultura é
narrada. A oralidade constitui o elã que nos conecta com as pessoas com quem convivemos, estreitando laços sentimentais e amorosos. Numa escala de valores o que escrevemos e o que expressamos oralmente tem uma diferença ímpar. A fala é muito libertadora. Quando a comunicação falha, as estruturas pessoais e sentimentais vão se fragilizando.
Hoje, face ao avanço tecnológico, a individuação tornou-se uma praxe global. No cotidiano escolar os educadores deveriam propiciar espaços de comunicação com o educando criando um ambiente respeitoso pelo ato da fala e da escuta, isto é, dar a voz para o educando falar sobre o seu dia-a-dia, suas expectativas no âmbito pessoal, familiar, profissional, relacional. Se a escola se humanizar a tal ponto, daremos aos educandos deste milênio condições de sobrevivência psico-afetiva necessária aos homens desta geração e da futura.
Sabemos que tal espaço é bastante esperançador para os educandos e educadores, pois, nos ajudará a desmascarar os medos, nos ensinará a criticidade face às ilusões, otimizaremos as experiências positivas de conquistas; saberemos expressar nossos sentimentos: alegrias, tristezas, fantasias, protagonizando assim o ideal de todo processo educacional - tornar o educando protagonista de sua história -, construindo sua identidade pessoal sem detrimento de sua subjetividade.
Em nossa sociedade atual a liberdade de expressão é possível? A escola deveria ser por excelência o lugar onde acontecesse o diálogo entre educadores e educandos. E neste ínterim entramos num dissenso entre o ideal e o real - é possível desenvolver o diálogo numa sociedade de conflitos? Que papel exerce um educador crítico nessa sociedade?
Moacir Gadotti afirma que essas são as questões que incidem sobre a pedagogia do conflito.
A pedagogia do conflito tem por objetivo desmascarar os conflitos de forma corajosa e envolvente – em vista de uma prática pedagógica imbuída de criticidade e respeito pela realidade social, mostrando as contradições sociais, propondo um trabalho articulado entre os dados da realidade e prática educacional. A superação das desigualdades só será possível se as mesmas passarem do status da evidência para o status do compromisso, através de um processo de envolvimento de todos na superação dessas mesmas contradições sem considerá-las um fato natural e universal pelos membros da sociedade.
Não é possível esconder que os conflitos que existem são causados em razão dos interesses divergentes das classes sociais de uma sociedade. O norte das ações também é divergente, pois alguns lutam pela manutenção do status quo, outros desejam a transformação da estrutura social oportunizando um maior equilíbrio social. Nesse contexto, o papel do educador, segundo Gadotti, deve ser: crítico e revolucionário. Seu papel é o de inquietar, incomodar, perturbar: a função do pedagogo parece ser esta: à contradição (opressor / oprimido, por exemplo) ele acrescenta a consciência da contradição. Foi isso que fizeram, por exemplo, Lao-tsé, Sócrates, Marx, Nietzsche, Freud, Tsé- jung, Frinet, Amilcar Cabral, Gramsci e outros grandes nomes da história antiga ou contemporânea(Gadotti , 1988):120)4
Essa não é uma tarefa fácil! Mas como educador precisamos assumir esse desafio, nessa sociedade de conflitos de classes e de interesses divergentes, criar as condições necessárias para elaborarmos uma nova concepção de ser humano. Esta nova compreensão do ser humano será concretizada em ações de pessoas conscientes, solidárias, organizadas e capazes de superar o individualismo do processo de individuação no contexto global em que vivemos. O discurso e a prática do educador revolucionário é o de rejeição de uma postura permissiva de dominação política e da exploração econômica capitalista, denunciando e desmascarando as falas de um discurso hegemônico.
O reconhecimento do ser humano não deveria se dar apenas pelo valor da sua conta bancária e, sim pela, sua postura ética, contribuindo assim com a formação do ser humano pleno, realizado e feliz. A luta desenfreada pelo poder encarna no ser humano o desejo da hegemonia e isso faz com que os outros saberes sejam relegados, esquecidos e eliminados.
A análise crítica deve ser exigida pelos educadores e gestores, questionando a hegemonia de uma classe social, sua forma de conhecimento e sua prédica discursiva. A sustentação do status quo através da hegemonia que congrega a fragilidade e a fortaleza do sistema capitalista.
Na prática, faz-se necessário conhecer as bases estruturais do sistema capitalista, e, dessa forma, “minar” o seu sustentáculo.


Bibliografia:

SANTOS, José Igídio dos. Educação: uma perspectiva crítica sob a ótica deflacionista. UNIVERSITAS, Fernandópolis, v. 2, n.1, 2006, p.29-39.