domingo, 5 de abril de 2009

A vida, o sofrimento e a morte

A vida, o sofrimento e a morte

José Igídio dos Santos[1]

“(...) Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para gente é no meio da travessia."Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas”

Um grande desafio hoje é buscar o sentido da vida como uma necessidade humana no contexto atual em face à tantos vazios existenciais causado por fatores sociais, políticos, econômicos e culturais. Neste ínterim, a integração humana poderá ser viável mediante as realizações, afetiva e profissional. E a partir daí reconhecer nos como parte de um processo histórico cuja existência poderá ser experimentada em cada fase de nossa existência – do nascer ao morrer.
Este artigo tem como objetivo possibilitar aos leitores despertar a consciência do valor que a vida tem e que esta deve estar inserida dentro dos mais amplos projetos existenciais: “A busca da realização plena e da felicidade”. Quer contribuir também para que a sociedade procure defender e a promover a vida humana, desde a sua concepção até a sua morte natural, compreendida como dom de Deus e co-responsabilidade de todos, na busca de sua plenificação, a partir da beleza e do sentido da vida em todas as circunstâncias, e do compromisso ético do amor fraterno.
Para tanto, busquemos compreender a vida humana e as suas transformações.
É claro e evidente que a vida humana é considerada uma das experiências mais extraordinária que o ser humano é capaz de experimentar. Nascemos! não escolhemos nossa nacionalidade, família, situação sócio-econômica mas podemos desenvolver aspectos de nossa personalidade e caráter. Do nascer ao morrer passamos por diversas situações. Numa das obras poéticas mais importantes da cultura do Ocidente, as Metamorfoses, o poeta romano Ovídio exprimiu todos esses sentimentos que experimentamos diante da mudança, da renovação e da repetição, do nascimento e da morte das coisas e dos seres humanos. Na parte final de sua obra, lemos:

Não há coisa alguma que persista em todo o Universo. Tudo flui, e tudo só apresenta uma imagem passageira. O próprio tempo passa com um movimento contínuo, como um rio... O que foi antes já não é, o que não tinha sido é, e todo instante é uma coisa nova. Vês a noite, próxima do fim, caminhar para o dia, e à claridade do dia suceder a escuridão da noite... Não vês as estações do ano se sucederem, imitando as idades de nossa vida? Com efeito, a primavera, quando surge, é semelhante à criança nova... A planta nova, pouco vigorosa, rebenta em brotos e enche de esperança o agricultor. Tudo floresce. O fértil campo resplandece com o colorido das flores, mas ainda falta vigor às folhas. Entra, então, a quadra mais forte e vigorosa, o verão: é a robusta mocidade, fecunda e ardente. Chega, por sua vez, o outono: passou o fervor da mocidade, é a quadra da maturidade, o meio-termo entre o jovem e o velho; as têmporas embranquecem. Vem, depois, o tristonho inverno: é o velho trôpego, cujos cabelos ou caíram como as folhas das árvores, ou, os que restaram, estão brancos como a neve dos caminhos. Também nossos corpos mudam sempre e sem descanso... E também a Natureza não descansa e, renovadora, encontra outras formas nas formas das coisas. Nada morre no vasto mundo, mas tudo assume aspectos novos e variados... Todos os seres têm sua origem noutros seres. Existe uma ave a que os fenícios dão o nome de fênix. Não se alimenta de grãos ou ervas, mas das lágrimas do incenso e do suco da amônia. Quando completa cinco séculos de vida, constrói um ninho no alto de uma grande palmeira, feito de folhas de canela, do aromático nardo e da mirra avermelhada. Ali se acomoda e termina a vida entre perfumes. De suas cinzas, renasce uma pequena fênix, que viverá outros cinco séculos... Assim também é a Natureza e tudo o que nela existe e persiste.

Viver cada dia de nossa existência implica numa série de compromissos que ficamos meio que atordoados, são obrigações profissionais, familiares, religiosa, sociais que tomam todo o nosso tempo impossibilitando-nos de experimentar a nossa existência de forma agradável. O fato é que nosso cotidiano nos assola e as necessidades sob diversos aspectos: econômicos, psicológicos, históricos, antropológicos, espiritual... precisam ser supridas para que se possamos ter melhores condições de vida. No percurso de nossa existência encontramos o sofrimento que pode culminar com a morte que é a única condição do que é realmente certa para o ser humano. Esta realidade se acentua em nossos dias em razão das doenças crônicas, acidentes, vícios, violências, etc.... Ao lado disso, cresce também a longevidade da população como um todo. Quando o ser humano é acometido de doenças graves, vivencia a relação entre a morte e o morrer porque aquela o levará necessariamente a esta. A morte é um tema que vem sendo discutido ao longo dos anos e o processo do morrer traz em seu cerne uma ampla e controversa discussão sobre seu conceito e sua operacionalização. Quando o paciente não é mais curável e encontra-se fora de quaisquer possibilidades de recursos de cura, nota-se que diminuem claramente a aproximação dos familiares que já procuram afastar-se da dor que a irreversível morte causará, expresso nos jargões: “Não há mais nada que eu possa fazer para ajudá-lo”, “fizemos o que estava ao nosso alcance”. Mas se o referencial é a impossibilidade da cura, deve-se reformular a atitude com os entes queridos que diante da finitude iminente necessita muito mais da presença, aqui a ênfase deverá ser o zelo e o cuidado para com o que adoece e que está morrendo, atitude que os
entes queridos devem ter por um gesto de benevolência. É preciso saber discernir e viver o momento presente de nossa existência assumindo a vida em suas diversas dimensões.
Sobre a vida com discernimentos observemos o que nos diz o Livro do Eclesiastes:

3 1 Debaixo do céu momento para tudo, e tempo certo para cada coisa: 2 Tempo para nascer e tempo para morrer. Tempo para plantar e tempo para arrancar a planta. 3 Tempo para matar e tempo para curar. Tempo para destruir e tempo para construir. 4 Tempo para chorar e tempo para rir. Tempo para gemer e tempo para bailar. 5 Tempo para atirar pedras e tempo para recolher pedras. Tempo para abraçar e tempo para se separar. 6 Tempo para procurar e tempo para perder. Tempo para guardar e tempo para jogar fora. 7 Tempo para rasgar e tempo para costurar. Tempo para calar e tempo para falar. 8 Tempo para amar e tempo para odiar. Tempo para a guerra e tempo para a paz.- 9 Que proveito o trabalhador tira de sua fadiga? 10 Observei a tarefa que Deus entregou aos homens, para com ela se ocuparem: 11 tudo o que ele fez é apropriado para cada tempo. Também colocou o senso da eternidade no coração do homem, mas sem que o homem possa compreender a obra que Deus realiza do começo até o fim. 12 Então compreendi que não existe para o homem nada melhor do que se alegrar e agir bem durante a vida. 13 E compreendi também que é dom de Deus que o homem possa comer e beber, desfrutando do produto de todo o seu trabalho. 14 Compreendi que tudo o que Deus fez dura para sempre. A isso nada se pode acrescentar, e disso nada se pode tirar. Deus fez assim para ser temido. 15 O que existe, havia existido; o que existirá, também existiu. Deus busca aquilo que foge.

Para ajudar a pensar no que foi dito, nos perguntemos: qual a relação que podemos estabelecer entre o ponto de vista bíblico na perspectiva de Eclesiastes e o texto a Metamorfose de Ovídio? Como estamos enfrentando nossa vida cotidiana? Os desafios que encontramos em nosso dia a dia exige soluções em vista de minorar o sofrimento pessoal e dos que convivem conosco. Mas o desafio mesmo é encontrar as respostas aplicáveis para tornar o sofrimento em nossa vida e na vida de nosso próximo ao menos aceitável.


[1] Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia, Psicopedagogo. Docente na Rede Estadual de São Paulo e na Faculdade de Educação, Ciências e Artes Dom Bosco (FAECA), Monte Aprazível-SP.

2 comentários:

  1. muito legal esta reflexão ... é profundamente humana

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  2. Excelente reflexão, como todos os seus textos. De fato, a morte deve ser encarada como uma metamorfose, pois é através dela que somos transformados em um Ser pleno de vida. Crer na ressurreição do corpo no momento da nossa morte é aceitar o cumprimento da promessa que Ele nos fez: a vida eterna, como está escrito nas escrituras. Parabéns pelo seu texto.

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