terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Restrição do Uso de Celulares na Sala de Aula na Rede Estadual de São Paulo: Impactos, Controvérsias e Desafios Pedagógicos

 

Restrição do Uso de Celulares na Sala de Aula na Rede Estadual de São Paulo: Impactos, Controvérsias e Desafios Pedagógicos

Prof. José Igídio dos Santos[1]

1.        Introdução

A proibição do uso de celulares na sala de aula na rede estadual de ensino de São Paulo reacendeu debates sobre os impactos da tecnologia na educação. Enquanto alguns defendem a medida como essencial para melhorar a concentração e o desempenho dos estudantes, outros argumentam que a restrição fere o direito de acesso à informação.

Esse cenário se torna ainda mais complexo quando consideramos que a própria Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) investe em plataformas digitais como parte do processo de ensino. Recursos como Khan Academy, Plataforma de Leitura, Redação e Inglês, além do Centro de Mídias SP, foram implementados para potencializar a aprendizagem. No entanto, a falta de dispositivos suficientes, como tablets e Chromebook, gera um dilema: como restringir o uso do celular sem comprometer o acesso a essas ferramentas educacionais?

 2. Construção Histórica da Lei e Sua Promulgação

A restrição ao uso de celulares na sala de aula não é um tema recente. Em 2007, São Paulo foi pioneiro ao sancionar a Lei nº 12.730, que proibia o uso de celulares para fins não pedagógicos. No entanto, sua aplicação foi limitada.

No cenário global, a França implementou, em 2018, uma proibição nacional do uso de celulares em escolas públicas, influenciando debates em outros países, incluindo o Brasil. Durante a pandemia de COVID-19, a digitalização da educação levou ao aumento do uso de dispositivos móveis no ensino brasileiro. Com o retorno às aulas presenciais, autoridades educacionais passaram a buscar um equilíbrio entre a tecnologia e a necessidade de foco e concentração dos estudantes, resultando em novas legislações e diretrizes.

Evolução da Regulamentação no Brasil

  • 2007: São Paulo sanciona a Lei nº 12.730, proibindo o uso de celulares durante as aulas na rede estadual de ensino.
  • 2017: A Lei nº 16.567 modifica a norma anterior, permitindo o uso de celulares para atividades pedagógicas.
  • 2023: A Secretaria da Educação de São Paulo reforça a restrição com a Resolução Seduc-27/2023, baseada em estudos que apontam impactos negativos dos celulares na aprendizagem e na atenção dos estudantes.
  • 2024: O governador Tarcísio de Freitas sanciona a Lei nº 18.058, proibindo o uso de celulares e outros dispositivos eletrônicos em escolas públicas e privadas do estado.
  • 2025: A Secretaria da Educação de São Paulo (Seduc-SP) estabelece diretrizes para a aplicação da Lei Estadual nº 18.058/2024 e da Lei Federal nº 15.100/2025, que entra em vigor neste ano letivo, visando aprimorar a concentração dos estudantes e proteger sua saúde mental.

Essa evolução reflete um movimento crescente de regulamentação do uso de dispositivos móveis no ambiente escolar, com o objetivo de minimizar distrações e melhorar o aprendizado.

 3. Pesquisas Sobre os Benefícios da Restrição

Diversos estudos apontam que a restrição do uso do celular na sala de aula pode trazer benefícios, tais como:

· Melhora na concentração: Pesquisas da Universidade de Londres indicam que escolas que restringem o uso do celular tiveram aumento de até 6% no desempenho acadêmico.

· Redução da indisciplina: Relatórios da OCDE mostram que ambientes escolares sem distrações digitais promovem melhor comportamento e maior interação entre estudantes e professores.

· Menos ansiedade e cyberbullying: Estudantes que passam menos tempo conectados durante a aula relatam menor pressão social e menor incidência de conflitos gerados pelas redes sociais.

 4. Prós e Contras da Medida

A restrição do uso do celular tem apoiadores e críticos, refletindo a complexidade da questão.

Prós:

· Maior foco no aprendizado.

· Melhoria na socialização entre os estudantes.

· Redução de plágio e uso indevido de inteligência artificial em avaliações.

· Prevenção da dependência digital.

Contras:

· Cerceamento da autonomia dos estudantes.

· Inconsistência pedagógica, já que o próprio governo incentiva plataformas digitais.

· Falta de alternativas tecnológicas, pois muitas escolas não possuem dispositivos suficientes para suprir a demanda dos estudantes.

 5. Relação entre a Legislação Federal e Estadual

A legislação federal não estabelece uma proibição específica para o uso de celulares nas escolas, mas orienta diretrizes para o uso pedagógico da tecnologia. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9.394/1996 prevê a autonomia dos estados e municípios na definição de normas para a gestão escolar, o que permite que São Paulo regulamente o uso dos celulares em sua rede estadual.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) reforça a importância do uso crítico e responsável da tecnologia na educação, o que justifica que a proibição não seja absoluta, mas permita exceções para uso pedagógico.

 6. O Dilema Tecnológico: Como Resolver Essa Equação?

O grande desafio pedagógico da medida é garantir que a restrição ao celular não prejudique o acesso à tecnologia para fins educacionais. Algumas soluções possíveis incluem:

· Fornecimento adequado de dispositivos: O governo deve ampliar a distribuição de tablets e Chromebooks para garantir equidade digital.

· Criação de espaços tecnológicos: Laboratórios de informática acessíveis poderiam ser uma alternativa para permitir o uso da tecnologia sem comprometer a disciplina em sala de aula.

· Capacitação docente: Os professores precisam ser treinados para integrar metodologias ativas com tecnologia, sem depender exclusivamente do celular dos estudantes.

· Flexibilização da regra: Algumas escolas poderiam adotar um modelo híbrido, permitindo o uso do celular em momentos específicos para atividades pedagógicas supervisionadas.


7. Desafios na Implementação da Medida

Apesar dos potenciais benefícios, a implementação da restrição enfrenta desafios práticos e pedagógicos, como:

· Falta de fiscalização: Professores e gestores encontram dificuldades para controlar o uso de celulares sem gerar conflitos com os estudantes.

· Adaptação dos estudantes: Muitos jovens estão habituados a utilizar o celular como ferramenta principal de estudo, o que torna a transição para outras tecnologias desafiadora.

· Integração curricular: É necessário que os currículos escolares sejam ajustados para incluir estratégias eficazes de ensino sem depender exclusivamente do celular.

 

8. Considerações Finais

O uso de celulares na educação deve ser analisado sob diferentes perspectivas. Enquanto a restrição pode garantir maior concentração dos estudantes e reduzir problemas como distração e cyberbullying, o uso pedagógico dos dispositivos móveis pode enriquecer a aprendizagem e aproximar a escola das novas tecnologias.

A restrição do uso de celulares na sala de aula na rede estadual de São Paulo levanta questões importantes sobre disciplina, aprendizagem e acesso à tecnologia. Embora a medida tenha fundamentos sólidos, sua implementação precisa considerar as realidades da escola pública e o papel crescente da tecnologia na educação. Sem investimentos em infraestrutura digital, a restrição pode ampliar desigualdades e comprometer a inovação pedagógica.

O verdadeiro desafio não é simplesmente proibir ou liberar os celulares, mas encontrar um equilíbrio que permita o uso consciente da tecnologia, garantindo que todos os estudantes tenham acesso ao aprendizado digital de forma estruturada e inclusiva.



[1] Filósofo, Assessor Pedagógico no Município de Fernandópolis, Psicopedagogo, Superior em Gestão Pública, Professor na Rede Pública Estadual e no Nível Superior.